quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A geografia dos países desenvolvidos

“Sabe por que os países de clima frio são mais desenvolvidos? Porque nesses lugares o inverno é muito rigoroso, tudo fica congelado. É o que acontece com a Europa; por isso, os europeus precisam trabalhar muito durante o verão, para armazenar comida para o inverno. E é existência dessa dificuldade que acaba fazendo com que as pessoas de lá sejam mais propensas ao trabalho e a sociedade se desenvolva mais rapidamente. O mesmo não acontece com o Brasil e os outros países quentes, onde clima, bom o ano inteiro para o cultivo de alimentos, acaba não estimulando as pessoas a trabalhar.”

Com certeza você já ouviu essa explicação, e saiba que ela é largamente disseminada e reproduzida na sociedade brasileira. Mas, ao mesmo tempo, ela também é facilmente contestada.

Para começar a criticar os argumentos, a primeira definição que devemos ter em mente é que a explicação do desenvolvimento europeu pela geografia DEVE se remeter ao período anterior à invenção da geladeira (e de outros meios industriais de conservação), pois deve demonstrar como as culturas de clima temperado construíram sua supremacia apesar das adversidades. Agora já podemos nos perguntar: que tipo de país se tem em mente para tornar essa explicação possível? E a resposta é sempre a mesma: um lugar em que solo e rios ficam congelados durante seis meses, onde, inclusive, seria possível deixar os alimentos do lado de fora das casas para congelar e preservar. Esse lugar é passível de existir — bem ao norte dos Estados Unidos e Canadá, na Islândia, norte da Suécia e Noruega —, mas não é a verdade de grande parte dos países europeus. Todas as grandes potências, coloniais ou não, da Europa — Portugal, França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Holanda, Itália etc. — possuem inverno mais rigoroso que o Brasil, no entanto, nada a ponto de obrigar seus habitantes a se trancarem em casa e esperar o inverno acabar.
Ou seja, a argumentação em prol da maestria dos "países frios" esbarra no fato de que os "mais desenvolvidos" (França, Alemanha, Inglaterra, Suíça e Holanda) não são os mais congelados. E esse é somente um dos indícios de que riqueza não se relaciona com temperatura ou relevo.

Por outro lado, realmente não há meios de se obter em pleno inverno os mesmos alimentos que poderiam ser adquiridos no verão. Porém, assim como se pratica nos países tropicais, a solução é, e sempre foi, cultivar alimentos de acordo com a estação do ano. Afinal, para nós, o morango some no verão e o mamão, no inverno, mas nunca deixamos de ter frutas. E, o mais importante, desde as primeiras civilizações sedentárias conhecidas, o comércio sempre foi a prática que garantiu às culturas de regiões menos férteis a possibilidade de existirem em lugares tão inóspitos. Ou seja, não tem alimentos, venda manufaturas.

Obviamente, isso não quer dizer que a estocagem de alimentos não era conhecida por algumas sociedades. Sabemos que desde as primeiras civilizações sedentárias do Mundo Antigo, como a Mesopotâmia (atual Iraque) e o Egito, já havia a prática de se conservar grãos por um período relativamente longo. Mas, como indicam esses próprios exemplos da Antiguidade Oriental (regiões com temperaturas elevadas), a conservação e a estocagem de algum tipo de alimento NÃO são práticas exclusivas dos países de clima frio e, portanto, não podem ser apontadas como justificativa para a riqueza de alguns países e, muito menos, como determinante do valor de qualquer cultura.

Ou seja, primeiramente, não são os países "mais frios" os mais "desenvolvidos" e, em segundo lugar, "trabalho duro" e estocagem de alimentos não garantem o tal desenvolvimento.

Mas, então, por que alguns países europeus, os Estados Unidos e o Japão, por exemplo, são tão "desenvolvidos"? Deixaremos a questão sobre que raios quer dizer "desenvolvimento" para outro artigo. Por agora, respondo que os países acima mencionados enriqueceram porque tiveram a possibilidade de enviar menos dinheiro ao exterior do que os outros. Infelizmente, isso quer dizer que, naqueles lugares, os grupos grosseiramente chamdos de burguesia (que vive da usura e do lucro excessivo) ganharam disputas políticas e conseguiram instaurar sua maneira de ver e agir em sociedade. O problema é que nós, "terceiro mundo", resolvemos entrar nessa lógica sem ter condições de concorrer, por isso, somos os clientes dos usurários.